É, estou meio sumida daqui, última semana de provas, últimas recuperações, as coisas tão meio hard por aqui... E agora, José?
Mas enfim, estava agora há pouco no colégio em um debate sobre o filme "Ensaio sobre a Cegueira", baseado no livro de José Saramago, e bem no final sugiu uma observação sobre o poema de Drummond: "E agora José?"
Drummond mostrando seu lado psicólogo do povo |
Para quem não conhece, é este poema:
E
agora, José?
A
festa acabou,
a
luz apagou,
o
povo sumiu,
a
noite esfriou,
e
agora, José ?
e
agora, você ?
você
que é sem nome,
que
zomba dos outros,
você
que faz versos,
que
ama protesta,
e
agora, José ?
Está
sem mulher,
está
sem discurso,
está
sem carinho,
já
não pode beber,
já
não pode fumar,
cuspir
já não pode,
a
noite esfriou,
o
dia não veio,
o
bonde não veio,
o
riso não veio,
não
veio a utopia
e
tudo acabou
e
tudo fugiu
e
tudo mofou,
e
agora, José ?
E
agora, José ?
Sua
doce palavra,
seu
instante de febre,
sua
gula e jejum,
sua
biblioteca,
sua
lavra de ouro,
seu
terno de vidro,
sua
incoerência,
seu
ódio - e agora ?
Com
a chave na mão
quer
abrir a porta,
não
existe porta;
quer
morrer no mar,
mas
o mar secou;
quer
ir para Minas,
Minas
não há mais.
José,
e agora ?
Se
você gritasse,
se
você gemesse,
se
você tocasse
a
valsa vienense,
se
você dormisse,
se
você cansasse,
se
você morresse…
Mas
você não morre,
você
é duro, José !
Sozinho
no escuro
qual
bicho-do-mato,
sem
teogonia,
sem
parede nua
para
se encostar,
sem
cavalo preto
que
fuja a galope,
você
marcha, José !
José,
pra onde ?
Então, o assunto do post ainda não é esse, mas pra encher linguiça encher-vos de cultura, a resposta de José Saramago para este poema:
Há
versos célebres que se transmitem através das idades do
homem, como roteiros, bandeiras, cartas de marear, sinais de
trânsito, bússolas – ou segredos. Este, que veio ao mundo
muito depois de mim, pelas mãos de Carlos Drumonnd de
Andrade, acompanha-me desde que nasci, por um desses
misteriosos acasos que fazem do que viveu já, do que vive e
do que ainda não vive, um mesmo nó apertado e vertiginoso do
tempo sem medida. Considero privilégio meu dispor deste
verso, porque me chamo José e muitas vezes na vida me tenho
interrogado: “E agora José?” Foram aquelas horas em que o
mundo escureceu, em que o desânimo se fez muralha, fosso de víboras,
em que as mãos ficaram vazias e atônitas. “E agora José?”
Grande, porém, é o poder da poesia para que aconteça, como
juro que acontece, que esta pergunta simples aja como um tónico,
um golpe de espora, e não seja, como poderia ser, tentação,
o começo de interminável ladainha que é piedade por nós próprios.
Em todo
caso, há situações de tal modo absurdas(ou que pareceriam
vinte e quatro horas antes), que não se pode censurar a ninguém
um instante de desconforto total, um segundo em que tudo
dentro de nós pede socorro, ainda que saibamos que logo a
seguir a mola pisada, violentada, se vai distender vibrante e
verticalmente afirmar. Nesse momento veloz tocara-se o fundo
do poço.
Mas
outros Josés andam pelo mundo, não o esqueçamos nunca. A
eles também sucedem casos, desencontros, acidentes, agressões,
de que saem às vezes vencedores, às vezes vencidos. Alguns não
têm nada nem ninguém
a seu favor, e esses são, afinal, os que tornam
insignificantes e fúteis as nossas penas. A esses, que
chegaram ao limite das forças, acuados a um canto pela
matilha, sem coragem para o último ainda que mortal arranco,
é que a pergunta de Carlos Drumonnd de Andrade deve ser
feita, como um derradeiro apelo ao orgulho de ser homem. “E
agora José?”
Precisamente
um desses casos me mostra que já falei demasiado de mim. Um
outro José está diante da mesa onde escrevo. Não tem rosto,
é um vulto apenas, uma superfície que trem como uma dor contínua.
Sei que se chama José Junior, mas mais riquezas de apelido e
genealogias, e vive em São Jorge da Beira. È novo,
embriaga-se, e tratam-no como se fosse uma espécie de bobo.
Divertem-se à sua custa alguns adultos, e as crianças
fazem-lhe assuadas, talvez o apedrejem de longe. E se isto não
fizeram, empurraram-no com aquela súbita crueldade das crianças,
ao mesmo tempo feroz e cobarde, e o José Junior, perdido de bêbado,
caiu e partiu uma perna, ou talvez não, e foi para o
hospital. Mísero corpo, alma pobre, orgulho ausente - “E
agora José?”
Afasto
para o lado meus próprios pesares e raivas diante deste
quadro desolado de uma degradação, do gozo infinito que é
para os homens esmagarem outros homens, afogá-los
deliberadamente, avilta-los,fazer deles objecto de troça, de
irrisão, de chacota-matando sem matar,sob a asa da lei ou
perante sua indiferença.Tudo isto porque o pobre José Júnior
é um José Júnior pobre.Tivesse ele bens avultados na terra
,conta forte no banco, automóvel a porta-e todos os vícios
lhe seriam perdoados.Mas assim, pobre, fraco e bêbedo, que
grande fortuna para São Jorge da Beira.Nem todas as terras de
Portugal se podem gabar de dispor de um alvo humano para darem
livre expansão a ferocidades ocultas.
Escrevo
estas palavras a muitos quilômetros de distância, não sei
quem é José Júnior, e teria dificuldade em encontrar no
mapa São Jorge da Beira.Mas estes nomes apenas designam casos
particulares de um fenômeno geral:o desprezo pelo próximo,
quando não o ódio, tão constantes ali como aqui mesmo, em
toda parte, uma espécie de loucura epidêmica que prefere as
vítimas fáceis.Escrevo estas palavras num fim de tarde cor
de madrugada com espumas no céu, tendo diante dos olhos uma
nesga do Tejo, onde há barcos vagarosos que vão de margem a
margem levando pessoas e recados.E tudo isto parece pacífico
e harmonioso como os dois pombos que pousam na varanda e
sussurram confidencialmente.Ah, esta vida preciosa que vai
fugindo,tarde mansa que não será igual amanhã, que não serás,
sobretudo o que agora és.
Entretanto,José
Júnior está no hospital, ou saiu já e arrasta a perna coxa
pelas ruas frias de São Jorge da Beira.Há uma taberna, o
vinho ardente e exterminador, o esquecimento de tudo no fundo
da garrafa,como um diamante, a embriaguez vitoriosa enquanto
dura.A vida vai voltar ao princípio.Será possível que a
vida volte ao princípio?Será possível que os homens matem
José Júnior?Será possível?
Cheguei
ao fim da crônica, fiz o meu dever.” E agora, José?”
Crônica
retirada do Livro do autor A Bagagem do Viajante.
Enfim chegamos ao assunto do post! \õ/ Se você leu até aqui,vc é muito pedante, mas enfim.
Como é um dos poemas mais famosos de Carlos Drummond de Andrade, é claro que atrás dele viria uma carga de paródias, e bem, selecionei algumas pra vocês! (:
E agora, José?
A festa acabou,
o bolo findou,
o pastel sumiu,
a cerva esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é um fominha,
que fila dos outros,
você que enche o prato,
que come à beça?
e agora, José?
Está sem cintura,
está sem seu pinto,
está com cem quilos,
já não quer mais beber,
pois só quer mastigar,
cuspir já nem gosta,
a baba esfriou,
o bife não veio,
o pudim não veio,
o figo não veio
não veio a coxinha
e frango acabou
e massa fugiu,
e queijo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
Sua doce goiabada,
seu vidro de maionese,
sua gula sem jejum,
sua bela bisteca,
sua bala de coco,
sua bomboniére de vidro,
sua bala de menta,
seu drops – e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
a despensa não tem porta;
quer comer sorvete,
mas o sorvete secou;
quer ir para Minas,
queijo não há mais.
José, e agora?
Se você mastigasse,
se você sorvesse,
se você provasse
a calda ainda quente,
se você engolisse,
se você vomitasse,
se você peidasse,
se você morresse…
Mas você só morre de fome,
você é guloso, José!
Sozinho no escuro
assaltando a geladeira,
sem gastroplastia,
sem ver seu umbigo
para poder coçar,
sem entregador de pizza
que chegue a galope,
você incha, José!
José, para de comer, pombas, ou não sobra nada pra mim!
E agora, mané?
A água acabou,
O gelo derreteu
o povo morreu,
a noite congelou,
e agora, mané ?
e agora, você ?
você que é sem honra,
que zomba da vida
você que desmata,
que caça e trafica,
e agora, mané?
Está sem sua presa,
está sem comprador,
está sem dinheiro,
já não pode matar,
já não pode cortar,
vender já não pode,
a noite congelou,
o dia não veio,
a noite não veio,
a vida não veio,
não veio a tua grana
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo morreu,
e agora, mané ?
E agora, mané ?
Sua podre palavra,
seu instante de viagem,
sua caça e carniça,
sua estátua de marfim,
seu diamante de sangue,
seu casaco de pele,
sua incoerência,
seu ódio - e agora ?
Com a arma na mão
quer matar a caça,
não existe caça;
quer pescar predatoriamente,
mas o mar secou;
quer ir pra Suíça,
Suíça não há mais.
mané, e agora ?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você fumasse
a erva amazonense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
é o seu castigo, mané !
Sozinho no escuro
Num mundo acabado,
sem civilização,
sem sofá felpudo
para se deitar,
sem Jaguar preto
que possa dirigir,
você vaga, mané!
mané, pra onde ?
A água acabou,
O gelo derreteu
o povo morreu,
a noite congelou,
e agora, mané ?
e agora, você ?
você que é sem honra,
que zomba da vida
você que desmata,
que caça e trafica,
e agora, mané?
Está sem sua presa,
está sem comprador,
está sem dinheiro,
já não pode matar,
já não pode cortar,
vender já não pode,
a noite congelou,
o dia não veio,
a noite não veio,
a vida não veio,
não veio a tua grana
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo morreu,
e agora, mané ?
E agora, mané ?
Sua podre palavra,
seu instante de viagem,
sua caça e carniça,
sua estátua de marfim,
seu diamante de sangue,
seu casaco de pele,
sua incoerência,
seu ódio - e agora ?
Com a arma na mão
quer matar a caça,
não existe caça;
quer pescar predatoriamente,
mas o mar secou;
quer ir pra Suíça,
Suíça não há mais.
mané, e agora ?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você fumasse
a erva amazonense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
é o seu castigo, mané !
Sozinho no escuro
Num mundo acabado,
sem civilização,
sem sofá felpudo
para se deitar,
sem Jaguar preto
que possa dirigir,
você vaga, mané!
mané, pra onde ?
A festa acabou,
A campanha ocorreu,
o povo votou,
a eleição acabou,
Honduras cansou,
e agora, Brasil?
e agora, você?
você que é sem poder,
que usa o dos outros,
você que faz discursos,
que grita protesta,
e agora, Brasil?
Está sem apoio,
Só tem um discurso
Palavras ao vento
Já não pode sair
Ainda não pode desistir
Nunca pode vencer
Os sonhos esfriaram
A realidade chegou
A história partiu
A esperança sumiu
Não veio a utopia
E tudo acabou
O Obama fugiu
Os princípios mofaram
Numa embaixada fechada
E agora, Brasil?
E agora, Brasil?
Sua defesa da democracia,
Seu instante de loucura,
Sua ambição e sacrifício,
Sua tradição,
Sua cadeira na ONU,
Sua liderança na América Latina,
Sua voracidade – e agora?
Com as palavras na boca,
Quer abrir a porta,
Não existe porta;
Quer profetizar no mundo,
Mas o mundo já não quer profetas;
Quer ir para o mundo,
Mas o mundo te manda voltar.
Brasil, e agora?
Se você gritasse
Se te ouvissem
Se você que decidisse
Se você dominasse
Se você acordasse
Se você lutasse
Se você vencesse...
Mas você não vence,
Você é fraco, Brasil!
Sozinho em Honduras
Qual bicho-do-mato,
Sem o mito da fronteira,
Sem o destino manifesto
Sem armas para se afirmar
Sem navios e aviões
Que suportem a ação
Você marcha, Brasil!
Brasil, para onde?
E, pra finalizar, um vídeo do Mundo Canibal:
E finalizo o post com essa pergunta:
E AGORA JOSÉ?!
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